CRF-CE e demais Conselhos de Farmácia e entidades parceiras realizam Manifesto contra o Projeto de Lei nº 1774/2019 que visa autorizar os supermercados e estabelecimentos similares a comercializar os medicamentos isentos de prescrição

Manifesto contra o Projeto de Lei nº 1774/2019 que visa autorizar os supermercados e
estabelecimentos similares a comercializar os medicamentos isentos de prescrição
O Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP) e demais
Conselhos de Farmácia e entidades parceiras se manifestam contrários ao Projeto de Lei nº
1774/2019 em trâmite na Câmara dos Deputados, que tem por objetivo mercantilizar os
medicamentos isentos de prescrição e permitir a sua comercialização em supermercados e
estabelecimentos similares.


É essencial destacar que a Lei nº 13.021/2014 preceitua que a farmácia é o
estabelecimento de saúde em que ocorre a dispensação e/ou manipulação de medicamentos.
Nestes locais deve haver a presença do farmacêutico durante todo o seu período de
funcionamento, pois o ato da dispensação dos medicamentos (que é muito diferente de uma mera
entrega), sejam eles isentos ou não de prescrição, deve ocorrer mediante orientação farmacêutica.
E o que é a orientação farmacêutica? Trata-se de uma anamnese (distinta de um
diagnóstico, cuja competência é exclusiva do médico), que concilia as diretrizes da Lei nº 8.080/90
(regula as ações e serviços de saúde no âmbito do SUS) c/c a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor), na medida em que informa adequadamente o usuário do medicamento, com o
escopo de proteger a sua saúde e assegurar a não ocorrência de eventuais riscos provocados por
práticas no fornecimento destes produtos que são considerados perigosos ou nocivos, para ao
final promover efetivamente a recuperação do paciente e afastar riscos de outros agravos.
Portanto, infere-se que os medicamentos não são produtos de consumo indiscriminado
e sem critérios técnicos; o uso de forma inadequada sem a orientação e o acompanhamento de
um profissional de saúde qualificado inelutavelmente causará danos à saúde, além de contribuir
para o aumento do número de internações e da mortalidade. De forma geral, os principais riscos
são: atraso no diagnóstico correto, devido ao mascaramento dos sintomas; agravamento do
distúrbio; possibilidade de dependência; possibilidade da ocorrência de eventos adversos que
podem ser graves; reações alérgicas; interações medicamentosas e intoxicações.


Sendo assim, é de suma importância que os medicamentos sejam disponibilizados à
população acompanhados de orientações técnicas do farmacêutico, que deve estar presente no
local de dispensação, e sempre em um estabelecimento de saúde, pois entre os principais fatores
que contribuem para o sucesso do tratamento estão a qualidade, a eficácia e a segurança do
produto, agregadas à orientação adequada sobre seu uso racional.


É uma falácia afirmar que a maior capilaridade na disponibilização de medicamentos
seja uma solução para a saúde da população. Relembramos que a Constituição Federal impõe ao
Estado1 o cuidado da saúde das pessoas por intermédio de atendimento integral, com prioridade
para as atividades preventivas2, sem prejuízo dos serviços assistenciais.


Logo, o foco da discussão deveria ser o aumento das ações estatais a partir da melhoria
das condições físicas e materiais das unidades básicas de saúde e dos hospitais, primordialmente
por meio de recursos humanos e materiais de forma preventiva, e não na criação de uma narrativa
dissociada dos objetivos da Constituição Federal, que culminará com o risco de se aprovar umprojeto de lei que terceiriza os cuidados à saúde a partir da coisificação dos medicamentos, isto é,
tornando-os um mero produto que pode ser facilmente adquirido e utilizado de forma
indiscriminada, como se fosse a panaceia para a solução dos graves problemas estruturais que
assolam o SUS.


1 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
2 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
(…)
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais;

Enfatizamos que a comercialização de medicamentos em supermercados e
estabelecimentos similares gerará a falsa impressão de que tais produtos dotados de alta
toxicidade podem ser adquiridos como qualquer outro alimento e, portanto, em nada contribuirá
para a saúde pública; ao contrário, incentivará a automedicação e exporá a população a riscos de
interações e intoxicações medicamentosas, ampliando as internações e, com isso, diminuindo a
capacidade produtiva e a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros, além de aumentar os custos
para o já fragilizado sistema de saúde (seja público ou privado).


Conclui-se, portanto, que o projeto de lei ora combatido visa permitir a venda de
medicamentos em mercados a partir de critérios unicamente econômicos, sem a mínima
preocupação com a saúde pública!


Por conseguinte, repudiamos o Projeto de Lei nº 1774/2019 em trâmite na Câmara dos
Deputados e solicitamos que os Excelentíssimos Senhores Deputados Federais votem pelo
arquivamento de tais proposituras.

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