De acordo com o conceito da Organização Mundial de Saúde (OMS), a farmacovigilância é definida como “a ciência e atividades relativas à identificação, avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos ou quaisquer problemas relacionados ao uso de medicamentos”.
Cabe à farmacovigilância identificar, avaliar e monitorar a ocorrência dos eventos adversos relacionados ao uso dos medicamentos comercializados no mercado brasileiro, com o objetivo de garantir que os benefícios relacionados ao uso desses produtos sejam maiores que os riscos por eles causados.
Além das reações adversas a medicamentos, são questões relevantes para a farmacovigilância: eventos adversos causados por desvios da qualidade de medicamentos, inefetividade terapêutica, erros de medicação, uso de medicamentos para indicações não aprovadas no registro, uso abusivo, intoxicações e interações medicamentosas.
Por que Farmacovigilância?
Para que um novo medicamento seja registrado na Anvisa, sua qualidade, eficácia e segurança devem ser comprovadas por meio de estudos clínicos realizados de acordo com padrões de evidência científica. Entretanto, embora retratem o perfil do medicamento de maneira satisfatória, esses estudos possuem certas limitações, especialmente no que se refere ao conhecimento sobre a segurança do produto. Isso porque existe uma limitação no número de indivíduos que participam de tais estudos e no tempo de exposição dos indivíduos ao tratamento. Ademais, alguns grupos populacionais, como crianças, gestantes e idosos são excluídos desses estudos devido a questões éticas. Após a comercialização do medicamento e a sua utilização por uma grande quantidade de indivíduos, eventos raros e eventos decorrentes de uma exposição em longo prazo passam a ocorrer.
Um sistema de farmacovigilância deve ser capaz de identificar possíveis problemas relacionados ao uso de medicamentos de forma efetiva e oportuna, a fim de prevenir ou minimizar eventuais danos à saúde dos indivíduos.
Breve histórico da Farmacovigilância
Há casos registrados de problemas relacionados ao uso de medicamentos desde o final do século XIX, a exemplo de mortes súbitas causadas pelo uso de clorofórmio na anestesia e de icterícia causada pelo uso de arsênico no tratamento da sífilis. Entretanto, o marco histórico da farmacovigilância no mundo é dado pelo “desastre da talidomida” – milhares de casos de focomelia (rara malformação congênita) causados pelo uso da talidomida para prevenção de náuseas em mulheres grávidas nos anos 50 e 60. Após a retirada do produto do mercado, em 1962, foram registrados cerca de 4.000 casos, sendo 498 mortes durante ou após o parto. Uma revisão nos estudos realizados na fase de pré-comercialização do medicamento indicou que os dados haviam sido mal interpretados.
A partir de 1962, a agência reguladora norte americana (Food and Drug Administration – FDA) passou a exigir estudos não clínicos e clínicos mais rigorosos dos fabricantes de medicamentos. Em 1968, a Organização Mundial de Saúde (OMS) iniciou a fase piloto do Programa Internacional de Monitorização de Reações Adversas a Medicamento, com a participação de dez países. Desde 1978, o Programa é operacionalizado pelo Uppsala Monitoring Centre (UMC), na Suécia, e reúne hoje mais de 130 países.
No Brasil, nas décadas de 60 e 70, surgiu a legislação sanitária de medicamentos que vigora até hoje, destacando-se a Lei Federal nº 6360/76, de 23 de setembro de 1976, que estabelece a transmissão de acidentes ou reações nocivas à autoridade sanitária competente. Em 1990, foi criada a Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (SOBRAVIME), incentivando estudos sobre a vigilância de medicamentos e insumos farmacêuticos. Nesse mesmo período, Centros de Informações de Medicamentos, a exemplo do Grupo de Prevenção ao Uso Indevido de Medicamentos (GPUIM) – na Universidade Federal do Ceará – surgiram em algumas cidades brasileiras. O GPUIM abrigou, mais tarde, o Centro de Farmacovigilância do Ceará (CEFACE). Em 1998, foi implantado, no Estado de São Paulo, o Programa Estadual de Redução de Iatrogenias, sob a coordenação do Centro de Vigilância Sanitária (CVS-SP). A partir de 2000, o envio de notificações de eventos adversos pelos detentores do registro de medicamentos à autoridade sanitária tornou-se compulsório no Estado.
No final da década de 90, com a aprovação da Política Nacional de Medicamentos e a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), institucionalizou-se a responsabilidade de estabelecer, coordenar e monitorar os sistemas de vigilância toxicológica e farmacológica, além de regular, controlar e fiscalizar medicamentos de uso humano que representam risco à saúde pública, fato que viabilizou a implantação de um programa nacional de farmacovigilância. Esse programa hoje é coordenado pelo Centro Nacional de Monitorização de Medicamentos (CNMM), sediado na área de farmacovigilância da Anvisa. Em 2001, o CNMM foi aceito como 62º membro efetivo do Programa Internacional da OMS.
Legislação da Farmacovigilância no Brasil
As ações de farmacovigilância no Brasil já eram amparadas por legislações gerais, como a Lei Federal nº 6360/76, aLei Federal n º 9782/99, a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 3/89 e a Portaria do Ministério da Saúde 3916/98. Além disso, diversas legislações de registro de medicamentos solicitavam dados de farmacovigilância na ocasião da renovação do registro.
Em 2009, a Anvisa publicou a primeira norma específica de farmacovigilância destinada aos detentores de registro de medicamentos, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 04, de 10 de fevereiro de 2009. No mesmo ano, foram publicados – por meio da Instrução Normativa (IN) nº 14, de 27 de outubro de 2009 – os Guias de Farmacovigilância para Detentores de registro de Medicamentos relacionados à RDC 04. A partir da vigência da RDC nº 04, a notificação de eventos adversos relacionados ao uso de medicamentos passou a ser compulsória a todos os detentores do registro de medicamentos em território nacional. Estabeleceu-se a inspeção em farmacovigilância – procedimento realizado pela agência reguladora para verificar a existência de um sistema de farmacovigilância nas empresas farmacêuticas, além do cumprimento de outras exigências legais. Ademais, foi exigido o envio de Relatórios Periódicos de Farmacovigilância (RPF) e de Planos de Farmacovigilância à Anvisa de forma periódica. Nos casos de problemas específicos relacionados à segurança dos medicamentos, a Anvisa pode exigir, ainda, a elaboração de Planos de Minimização de Risco.
Como consequência do fortalecimento das bases legais da farmacovigilância no Brasil, a Anvisa tem incluído cada vez mais ações de vigilância pós-comercialização de medicamentos. Têm-se, como exemplos dessas ações, a publicação de normas que estabelecem a notificação, pelos profissionais de saúde, de eventos adversos associados ao oseltamivir (RDC 45/2009), à talidomida (Resolução do MS 11/2011) e à sibutramina (RDC 50/2014).
A Anvisa também publicou a RDC 36/2013, que institui ações para a segurança do paciente em serviços de saúde e torna compulsória a notificação de eventos adversos pelo Núcleo de Segurança do Paciente do serviço.
Além das legislações já citadas, várias outras leis, portarias e resoluções federais dão suporte legal às ações de farmacovigilância no Brasil. Essas legislações estão citadas abaixo:
Outras legislações que dão suporte às atividades de farmacovigilância no Brasil
Portaria n.º 802, de 08 de outubro de 1998
Determina que, em caso de reclamações, observações e reações adversas, os distribuidores devem imediatamente separar o lote e comunicar ao detentor do registro e à autoridade sanitária.
Portaria n.º 06, de 29 de janeiro de 1999
Define que a autoridade sanitária local deve estabelecer mecanismos para a farmacovigilância dos medicamentos a base das substâncias constantes das listas da Portaria SVS/MS nº 344/98 (e atualizações), instituindo um modelo específico de ficha de farmacovigilância para os medicamentos retinóides de uso sistêmico e de formulário de notificação de suspeita de reação adversa.
Portaria do Ministério da Saúde nº 696, de 7 de maio de 2001
Institui o Centro Nacional de Monitorização de Medicamentos (CNMM), sediado na Unidade de Farmacovigilância da Anvisa.
Decreto nº 3.961, de 10 de outubro de 2001
Altera o Decreto nº 79.094/77, que regulamenta a Lei nº 6.360/76, incluindo a farmacovigilância nas ações de vigilância sanitária, como forma de investigar os efeitos que comprometem a segurança, a eficácia ou a relação risco-benefício de um produto.
Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº. 233, de 17 de agosto de 2005
Determina que o fabricante de extratos e produtos alergênicos disponha de um sistema de registro e estatística para estudo de farmacovigilância e que, quando houver experiência clínica, os dados farmacotoxicológicos sejam substituídos por estudos de farmacovigilância ou ensaios clínicos.
Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 67, de 8 de outubro de 2007
Define, como atribuição do farmacêutico na farmácia de manipulação, participar de estudos de farmacovigilância e informar às autoridades sanitárias a ocorrência de reações adversas e/ou interações medicamentosas não previstas.
Portaria nº 1660, de 22 de julho de 2009
Institui o Sistema de Notificação e Investigação em Vigilância Sanitária – Vigipos, no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, como parte integrante do Sistema Único de Saúde – SUS.
Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 44, de 17 de agosto de 2009
Estabelece que o farmacêutico das farmácias e drogarias deve contribuir para a farmacovigilância, notificando a ocorrência ou suspeita de evento adverso ou queixa técnica às autoridades sanitárias.
Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 47, de 8 de setembro de 2009
Determina que a Anvisa pode exigir alterações nos textos de bulas, sempre que julgar necessário, com base em informações provenientes da farmacovigilância.
Resolução – RDC nº 60, de 26 de novembro de 2009
Estabelece que os procedimentos adotados para as notificações de eventos adversos a medicamentos devem ser os mesmos para as amostras grátis.
Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 64, de 18 de dezembro de 2009
Inclui, na documentação para o registro de radiofármacos, a apresentação do Relatório de Farmacovigilância atualizado, de acordo com a legislação em vigor, com dados obtidos de estudos clínicos e da comercialização do produto em outros países, quando aplicável. Para a renovação do registro, devem ser apresentados dados de farmacovigilância. Esses dados podem ser requisitados pela Anvisa antes dos prazos definidos.
Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 49, de 20 de setembro de 2011
Exige, na ocasião de renovação do registro de medicamentos biológicos, a apresentação do Relatório Periódico de Farmacovigilância, do Plano de Farmacovigilância e do Plano de Minimização de Risco em situações específicas relacionadas à segurança do medicamento.
Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 26, de 13 de maio de 2014
Inclui, na documentação para o registro de fitoterápicos, o Documento de Descrição do Sistema de Farmacovigilância da empresa. Para a renovação do registro, devem ser seguidas as exigências da RDC 04/2009.
Portaria nº 650, de 29 de maio de 2014
Aprova e promulga o Regimento Interno da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa e da outras providências.
Saiba mais em: http://portal.anvisa.gov.br/farmacovigilancia/saiba-mais